Brasil: Qual é a Estratégia brasileira de IA?

Por Eduardo Magrani.

O Brasil chega atrasado em sua estratégia nacional de IA. Ela foi oficialmente lançada, recentemente, em 6 de abril de 2021, através da Portaria nº 4.617 do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do governo federal. O documento traz uma análise conjuntural e uma série de ações estratégicas, divididas em nove eixos.

Esse marco político está longe de ter o pioneirismo de outras estratégias brasileiras, como o Plano Nacional de IoT e a Estratégia de Transformação Digital; ou mesmo a Lei Geral de Proteção de (2018) e o Marco Civil da Internet (2014), duas normas jurídicas importantes para criar um ambiente regulatório claro e atualizado. 

Há várias outras estratégias de IA no mundo que já estão prontas. A União Europeia, inclusive, acabou de publicar a sua proposta de regulação de IA. O Brasil poderia ter aproveitado o estágio de maturidade internacional para criar um plano mais robusto. O resultado, entretanto, foi muito aquém do esperado porque o Brasil não fez o dever de casa. Em nossa análise, a EBIA ficou muito abaixo dos outros planos internacionais, inclusive, sequer dentro dos parâmetros mínimos esperados.

Planos internacionais, como o alemão ou o colombiano, começam com uma conceituação complexa de IA. Nossa estratégia ignora a complexidade do próprio conceito de IA, pressupondo ser algo dado, óbvio. Não o é. Afinal, como vamos desenhar a estratégia para algo que nem entendemos claramente?

Quando um estado desenha o seu plano estratégico de IA, deveria fazê-lo a partir de um mapeamento do estado da arte da matéria, analisando como o seu país, com os recursos de que dispõe, com a cultura que tem, pode se beneficiar ao máximo dessa nova tecnologia, reduzindo os riscos potenciais. Cada país dá o seu tom sobre a sua estratégia de IA, dentro do seu contexto sócio-econômico, cultural e político. 

A China, por exemplo, quer ser líder de IA no mundo. A Índia, entendendo seu papel industrial e mercadológico, aposta no desenvolvimento de hardware. A França foca em regulações robustas para proteger direitos humanos, alinhada à matriz regulatória europeia, que acabou de ser incrementada, em busca de uma IA humanocêntrica.

Enquanto isso, o plano brasileiro é opaco e difuso. O que foi publicado é uma colagem de análises e temas internacionais sobre IA, contendo muito pouco de estratégia. A rigor, a EBIA não fala nada errado, mas fala muito pouco. Afinal, quais são as nossas vulnerabilidades que merecem ser equacionadas? Quais são os diferenciais competitivos do Brasil para serem explorados em IA? Nada disso foi explorado pela Estratégia.

Não só o benchmarking foi insuficiente, como não se olhou detidamente para experiências exitosas aqui mesmo no Brasil. Temos boas pistas, por exemplo, no nosso plano estratégico de IoT. O Brasil tem desenvolvimento de ponta na área rural, no setor agrícola. Também somos fortes em smart cities, onde temos investido cada vez mais. A Estratégia deveria se integrar às iniciativas que deram certo, respondendo, ainda, perguntas em aberto, por exemplo: de que forma a EBIA poderia se alinhar às estratégias estaduais e municipais de smart cities? Como a IA pode ser incrementada no campo?

Esses planos são citados na EBIA, mas não existe um alinhamento claro, ou seja, estratégico! O conteúdo publicizado pela Portaria é demasiado genérico. Faltam elementos basilares que façam jus ao qualificativo de “estratégia” do documento, tais como a definição de metas e planos de ação concretos, indicadores de sucesso, previsão de prazos e de revisão periódica e composição de corpos de governança, dentre outros. Tudo isto poderia, efetivamente, nortear o Brasil no caminho de desenvolvimento da IA como tecnologia habilitadora e com enorme potencial transformador.

A política pública anunciada – que agora se orienta pela Portaria nº 4.617/21 – tinha a pretensão de ser um farol, porém, em nossa análise, perdeu uma grande oportunidade de tirar o tema da penumbra, dada sua dispersão e abstração. 

Em sua forma atual, a EBIA meramente retoma temas levantados ao longo do processo de consulta pública, fazendo um apanhado geral das considerações mais relevantes sobre o tema, mas sem efetivamente demonstrar uma visão pragmática acerca do caminho a seguir. 

Antes da publicação da EBIA, elaboramos um Relatório de Política Pública (RPP) baseado numa pesquisa realizada entre fevereiro e março de 2021, que se dedicou a analisar a consulta pública efetuada pelo governo federal, entre dezembro de 2019 e março de 2020, para a construção da referida Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA). 

Foi uma consulta pública conduzida de maneira muito ineficiente. Foi lançada no fim de 2019, em período de festas. Se a intenção é coletar contribuições substanciais, é necessário levar isso em consideração. Há críticas sobre o processo de consulta pública, em si, que recebeu diversas contribuições relevantes, mas não houve comunicação clara sobre os outputs das contribuições. Uma consulta pública online não pode ser feita só por conveniência política. É preciso dar feedback sobre as contribuições depois de elaborado o documento final. Espera-se, pelo menos, que o governo apresente justificativas para dar sequência ao processo de participação. No Brasil, as consultas públicas têm sido usadas como instrumento de conveniência política: quando as contribuições se alinham, tudo bem, senão, são descartadas.

Apesar de o nosso Report não se debruçar especificamente sobre a Portaria que institucionalizou a EBIA, uma vez que foi concluído antes da data da promulgação da referida norma jurídica, é, sem dúvida, um relevante registro do momento anterior à promulgação oficial da citada estratégia, assim como um termômetro das tensões, contribuições e expectativas criadas pelos protagonistas do processo de Consulta Pública.

O sentimento é que a EBIA decepciona os que esperavam ser guiados por ela, deixando de responder a uma pergunta básica que foi levantada ao longo da elaboração do RPP, quando ainda sequer tínhamos um documento oficial: afinal, qual é mesmo a estratégia brasileira?

Essa questão fica sem resposta, pois a estratégia falha em diversos aspectos, como já analisado aqui, deixando o Brasil impossibilitado de recuperar o atraso da elaboração tardia de um plano estratégico.

Colocamos à sua disposição o Relatório completo sobre o andamento da IA ​​no Brasil